25 abril 2018

Intervenção da CDU na Sessão Solene da Assembleia Municipal de Salvaterra de Magos no âmbito das Comemorações do 44º Aniversário da Revolução do 25 de Abril


PELA IGUALDADE DE GÉNERO

Começamos a nossa intervenção neste dia tão especial por saudar o executivo do município de Salvaterra de Magos pela escolha do tema "A Mulher Portuguesa - Do Estado Novo à Constituição de 1976" e das iniciativas que lhe estão associadas, nomeadamente a exposição "Itinerários de conquistas e direitos das Mulheres", cedida pelo Movimento Democrático de Mulheres e a apresentação do livro "Mulheres na Clandestinidade" de Vanessa Almeida.

À medida que a distância temporal para o 25 de Abril de 1974 vai aumentando temos assistido a tentativas cada vez mais descaradas de branqueamento do regime ditatorial fascista que perdurou no nosso país durante cerca de 48 anos. A aposta na suavização do fascismo tem sido levada a cabo por saudosistas, colonialistas e militaristas, mas também por gente apostada em reverter tudo aquilo que o povo e os trabalhadores conquistaram após a Revolução e que ficou devidamente vinculado na Constituição de 2 de Abril de 1976.

Convém por isso relembrar um pouco os mais distraídos e incautos aquilo que significou para o povo e, sobretudo para a mulher, os 48 anos de fascismo. Neste Portugal pintado apenas a preto e branco toda a gente era pobre, com excepção de uma ínfima parte da população, os ricos corporativistas. A maioria do povo era analfabeta e semi-analfabeta e não havia qualquer tipo de assistência médica ou de planeamento familiar. Era normal a mulher morrer no parto e a mortalidade infantil era a pior da Europa. As mães contavam os filhos vivos e os mortos. "Tive dez e morreram-me cinco". As crianças cresciam descalças, com uma bola de trapos como brinquedo, com dentes cariados e meia anãs por falta de proteínas e de vitaminas. Tinham grande probabilidade de morrer na infância, de uma doença sem vacina, de um acidente por negligência ou como consequência do trabalho infantil que era quase obrigatório porque não havia escolaridade obrigatória. As mulheres não tinham quaisquer direitos. Não tinham direito ao voto ou ao divórcio. Não frequentavam a universidade e eram entregues pelos pais aos novos proprietários, os maridos. Não podiam ter passaporte, nem sair do país sem autorização do homem, o chefe de família. A violência doméstica era vista com normalidade. As filhas excedentárias eram mandadas servir os ricos corporativistas e o clero nas cidades. Havia filhos bastardos com pais anónimos e mães abandonadas e vilipendiadas que se convertiam em prostitutas. Muitas mulheres viram os filhos e os maridos serem mandados como carne para canhão para terras africanas, onde muitos acabaram por morrer, vítimas das faces mais brutais do fascismo: o colonialismo e o imperialismo. Outros passavam a salto a fronteira fugindo da guerra, da miséria e da perseguição político-ideológica. A fé era a única coisa que o povo tinha e se lhe tirassem a religião não tinha nada. Deus era a esperança numa vida melhor. Depois da morte, naturalmente.

Não havia liberdade de expressão e o lápis da censura aplicava-se a riscar escritores, jornalistas e artistas. Havia presos políticos, assassinatos, exilados e clandestinos. Existiam também clandestinas. Mulheres que com enorme sacrifício pessoal abandonaram as suas casas, a sua família, as suas terras, até o seu nome, para mergulhar na clandestinidade e a partir dali combater o regime ditatorial fascista. Desde aqui prestamos um forte e sentido tributo ao combate dessas mulheres e à sua abnegação, coragem e resistência.
Se todas as lutas, pequenas e grandes, contribuíram para o derrube do regime fascista e o surgimento da Liberdade e da Democracia, aquela que se travou, durante os longos anos da ditadura, pela divulgação da palavra livre de censura, expressão da voz e dos anseios populares, foi tão importante que ficou conhecida como "o coração da luta popular". A polícia política do regime perseguiu com particular ferocidade os "cuidadores" desse "coração", os homens e mulheres que se empenhavam na impressão e distribuição da imprensa clandestina onde, naturalmente, o jornal «Avante!» órgão central do Partido Comunista Português foi a vanguarda nessa luta revolucionária. 

Passados 44 anos da heroica Revolução de 25 de Abril ainda não estão devidamente consagrados na prática os direitos da igualdade de género consubstanciados na Constituição de 1976. O que diria Clara Zetkin, que em 1910 apresentou a proposta de criação de um Dia Internacional da Mulher, se soubesse que as mulheres continuam em 2018 a lutar pela emancipação e pela igualdade de género? O que diria esta comunista alemã se soubesse que a formação superior a que as mulheres acederam, direito arduamente conquistado, não foi bastante para acabar com as discriminações salariais? E que a percentagem de mulheres que aufere o salário mínimo nacional é muito superior à dos homens? Ou ainda, que em 2018, em muitos sectores paira o entendimento de que, o dia que propôs com o objectivo de aumentar a consciência política e a organização das trabalhadoras, serve para presentear as mulheres com flores e chocolates, em vez de lhes reconhecer os direitos que a lei e a Constituição prevêem. Mas também, que a condição feminina, com os seus direitos específicos, ainda é motivo para atropelos como a repressão patronal ou o assédio sexual, a par da limitação do exercício da maternidade, em contradição com as notas oficiais que apelam a mais altas taxas de natalidade. Segundo dados da CGTP-IN, a desigualdade salarial atingiu, em 2016, 19,9% no ganho médio mensal. Resultado? As mulheres trabalharam mais 70 dias que os homens, sem receber.

Existe hoje a contradição que, muitas vezes, se verifica entre a presença de mulheres em lugares de decisão e a adopção de políticas que defendam e promovam os direitos das mulheres. Afinal, foi a Assembleia da República com mais mulheres numa legislatura que, entre 2011 e 2015 votou o corte nos salários, o aumento do horário de trabalho na Administração Pública e a retirada de direitos, quando a maioria dos trabalhadores são mulheres, sendo ministra das Finanças uma mulher. Não foi o Parlamento com mais mulheres que reverteu, em parte, a lei da interrupção voluntária da gravidez? Não foi uma mulher que, enquanto ministra, promoveu a lei das rendas que resultou no despejo de muitas mulheres e homens, particularmente do centro das maiores cidades do País?

Não se promove a emancipação e a igualdade de género ao mesmo tempo que se promove a precariedade e, consequentemente, a vulnerabilidade que o vínculo acarreta. Não se promove a emancipação e a igualdade de género ao mesmo tempo que se permite a desregulação dos horários de trabalho, dificultando a conciliação do trabalho com a vida pessoal, familiar, social, cultural e desportiva. É também aqui que, no nosso entender, se deve central a luta das mulheres trabalhadoras pela concretização da igualdade de género. Por Abril. Por Portugal. Pela Liberdade e pela Democracia.

Viva o 25 de Abril!
Vivam as mulheres portuguesas!


Salvaterra de Magos, 25 de Abril de 2018

Os eleitos da CDU na Assembleia Municipal de Salvaterra de Magos,
João Caniço
Carlos Silva