A Lei da transferência de competências para as autarquias (50/2018) e a de alteração à Lei do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais (51/2018), aprovadas no final da sessão legislativa, confirmam a consagração do subfinanciamento do poder local e a transferência de encargos em áreas e domínios vários, colocando novos e sérios problemas à gestão das autarquias e, sobretudo, à resposta aos problemas das populações.
Acresce que, em praticamente todos os domínios, apenas são transferidas para as autarquias competências de mera execução, o que as coloca numa situação semelhante à de extensões dos órgãos do Poder Central e multiplica as situações de tutela à revelia da Constituição, contribuindo para corroer a autonomia do Poder Local.
Não deixa de ser significativo que o artigo da proposta de Lei sobre o Fundo Financeiro de Descentralização que remetia (abusiva e ilegalmente, sublinhe-se) para diplomas do Governo a afectação dos meios financeiros tenha sido eliminado. A eliminação deste artigo, traduzindo de forma clara a rejeição da Assembleia da República à pretensão do Governo de decidir dos montantes a transferir para o exercício das competências, só pode ser lido como um impedimento de facto à sua concretização em 2019. Para lá das razões mais substanciais quanto ao conteúdo e natureza do processo, este facto só por si justifica que o município rejeite responsabilidades relativamente às quais não há qualquer garantia legal de virem acompanhadas de meios financeiros.
A apreciação geral sobre o processo, o conjunto de implicações financeiras, humanas e organizacionais, a ausência de conhecimento sobre as matérias a transferir, as condições e as suas implicações (só descortináveis com a publicação de cada um dos Decretos-Lei) deviam ter conduzido a que, responsavelmente e na defesa dos interesses quer da autarquia quer da população, se rejeitasse a assumpção a partir de 1 de Janeiro de 2019, das novas competências.
Este é o momento para, agora sem subterfúgios, recusar um processo objectivamente contrário aos interesses das populações.
Face ao exposto deve a Câmara Municipal, a Assembleia Municipal e as Juntas de Freguesia continuarem a reclamar:
- o início de um processo sério de descentralização inseparável da consideração da criação das regiões administrativas;
- a reposição das freguesias liquidadas contra a vontade das populações;
- o encetar de um processo de recuperação da capacidade financeira dos municípios e da sua plena autonomia, requisitos indispensáveis para o exercício pleno daquelas que são hoje as atribuições do poder local e as competências dos seus órgãos;
- a identificação no domínio da transferência de novas competências, das que se adequam ao nível municipal, não comprometem direitos e funções sociais do Estado (designadamente a sua universalidade) e sejam acompanhadas dos meios financeiros adequados e não pretexto para a desresponsabilização do Estado por via de um subfinanciamento que o actual processo institucionaliza.
Salvaterra de Magos, 29 de Janeiro de 2019
Os eleitos da CDU,
João Caniço
Carlos Silva