Caros
munícipes,
este
ano, pelos motivos sobejamente conhecidos, não nos é possível assinalar e
festejar o aniversário da Revolução do 25 de Abril na rua e nas muitas
iniciativas desenvolvidas pelas várias associações como temos feito nos últimos
anos. Seguindo a premonitória sugestão do sr. presidente da Câmara Municipal
durante a última Assembleia Municipal realizada em Fevereiro, o tema da minha
intervenção centrar-se-á naturalmente no Serviço Nacional de Saúde, na sua
origem até à situação actual.
Em
1975 dezenas de jovens médicos deixaram as cidades para levar a medicina ao
interior carenciado. Estas equipas e as comunidades que os acolheram ergueram
do nada as primeiras pedras do futuro sistema de saúde público. Estranha e
injustamente esquecido, o SMP (Serviço Médico à Periferia), pouca ou nenhuma
atenção tem merecido por parte da comunicação social, parecendo projectar-se, à
distância do tempo, como um pormenor sem relevância na construção do SNS e de
um Portugal livre e democrático. Este "esquecimento" do SMP, por
vezes involuntário mas também fruto de um ambiente político de
"apagamento" carregado de intenção e ideologia, faz com que uma
experiência marcante e imbuída do espírito generoso da tão mal-amada época do
PREC apareça como um facto menor na implantação do serviço público de saúde
português, que só viu a sua consagração legislativa quatro anos depois, por
proposta de António Arnaut e aprovada por PS, PCP, MDP-CDE e UDP. Não esquecer
nunca que a Direita votou contra a criação do SNS.
A decisão
de enviar jovens médicos, que tinham finalizado o primeiro ano de Internato
Geral, para o interior mais pobre e abandonado do país, para a prestação de
cuidados primários ultrapassou muito o projecto inicial, assumindo aspectos
verdadeiramente notáveis de iniciativa e auto-regulação colectivas, tornando a
sua realização, durante cerca de sete anos (até 1982), num caso exemplar de
empenho na construção de um país mais justo e solidário, contrastando com o
sentimento de desrespeito e desmotivação que mais tarde (e até aos dias de
hoje) sucessivos governos conseguiram impor aos profissionais de saúde.
Portugal
era, nos anos 70, um país de terceiro mundo. O fascismo levara o empobrecimento
e a guerra colonial ao extremo, porque, já na altura repetiam ao povo que
"não havia alternativa". Não existiam as comunicações, as estradas,
os hospitais, os centros de saúde, os equipamentos desportivos e de lazer, os
edifícios públicos modernos e funcionais que a democracia depois construiu. No
país rural, no interior pobre e abandonado, pontificavam camponeses que
trabalhavam para sobreviver, raramente ou nunca recorrendo aos escassos médicos
existentes, pois poucos podiam pagar, procurando mais os "endireitas"
e os "bruxos" (versão menos sofisticada das actuais "medicinas
alternativas"). Foi assim que muitos milhares de portugueses tiveram pela
primeira vez na vida contacto com médicos, na verdadeira acepção da palavra.
No
final do primeiro ano de SMP os jovens médicos tiveram a necessidade de travar
uma feroz batalha, porque o governo do pós-25 de Novembro, queria acabar com o
SMP logo nesse ano de 1976. Foi a mobilização dos jovens clínicos, com o apoio
de autoridades locais e das populações, expressas em manifestos e
abaixo-assinados, entrevistas na rádio e nos jornais, que conseguiu travar esse
primeiro ataque ao SNS antes mesmo de ele existir.
O
SMP continuou nos seis anos seguintes, envolvendo centenas de médicos que
asseguraram o seu funcionamento, mantendo a assistência médica possível ao
interior mais carenciado, até à implantação de uma verdadeira e qualificada
rede de cuidados primários de Saúde no país, com a criação da carreira de
Clínica Geral em 1982 (actualmente designada de Medicina Geral e Familiar).
Hoje
é possível, apesar de estarmos longe do fim do surto, concluir de forma
rigorosa que se não tivéssemos em Portugal um SNS universal, geral e de
qualidade e a luta contra o vírus seria muito mais difícil de travar. É óbvio
que os condicionalismos sentidos diariamente nas unidades do SNS, não são
apenas devido à dimensão do surto e das suas consequências. São igualmente o
resultado de cerca de 30 anos de desenvolvimento de uma estratégia de redução
do serviço público de saúde, com o encerramento de milhares de camas, de
redução do número de profissionais, da não renovação de equipamentos.
É
grande a exigência colocada ao SNS. Por um lado, responder ao crescimento do
número de vítimas de contágio e das necessidades de internamento, centenas das
quais a exigirem cuidados intensivos. Em paralelo, há que assegurar a
actividade normal de atendimento a milhares de utentes do SNS com outras
patologias que não pode ser interrompido sob pena de se perderem vidas humanas
por não terem tido o acesso aos cuidados de saúde que necessitam.
O
êxito do combate à pandemia passa também por garantir condições de segurança
aos profissionais de saúde. Persistem situações de falta de equipamentos
adequados em algumas unidades de saúde que precisam de ser ultrapassadas. As
aquisições no exterior, em grande medida devido à cooperação no plano das relações bilaterais entre Portugal
e a China, cooperação tão mais necessária quanto a postura da União Europeia
evidencia mais uma vez, a sua inércia, e falta de solidariedade, como se
verifica na retenção de equipamentos adquiridos entre países da própria UE, têm
permitido superar no imediato parte da carência de material.
Mas
a aquisição ao exterior, indispensável como se verifica, revela a crescente
dependência nacional associada ao abandono da produção e da falta de incentivo
à investigação. O facto de várias universidades e empresas terem decidido dar o
seu contributo, criando e produzindo este tipo de equipamentos, confirmam de
que é fundamental investir numa estratégia de substituição das importações pela
produção nacional. No caso da Saúde, é mais do que uma questão económica, é
sobretudo uma afirmação de soberania nacional num sector essencial à vida das
pessoas.
Concluindo,
agora que todos percebemos a importância do Serviço Nacional de Saúde e o facto
de ser a última barreira entre a civilização e a barbárie importa continuarmos
a reflectir sobre o assunto. Porque não basta apenas bater palmas nos momentos
de maior aperto será pertinente respeitarmos e apoiarmos as justíssimas
reivindicações dos profissionais de saúde por melhores salários e condições de
trabalho. E, acima de tudo, é não apoiar nem votar em partidos "liberais e
chegas" que visam a destruição do SNS!
Viva
o 25 de Abril! Viva o Serviço Nacional de Saúde!
Salvaterra de Magos, 25 de Abril de 2020
Os eleitos da
Coligação Democrática Unitária,
João
Caniço
Carlos
Silva