25 abril 2020

Intervenção da CDU no âmbito das Comemorações do 46.º Aniversário da Revolução do 25 de Abril

O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE

Caros munícipes,

este ano, pelos motivos sobejamente conhecidos, não nos é possível assinalar e festejar o aniversário da Revolução do 25 de Abril na rua e nas muitas iniciativas desenvolvidas pelas várias associações como temos feito nos últimos anos. Seguindo a premonitória sugestão do sr. presidente da Câmara Municipal durante a última Assembleia Municipal realizada em Fevereiro, o tema da minha intervenção centrar-se-á naturalmente no Serviço Nacional de Saúde, na sua origem até à situação actual.


Em 1975 dezenas de jovens médicos deixaram as cidades para levar a medicina ao interior carenciado. Estas equipas e as comunidades que os acolheram ergueram do nada as primeiras pedras do futuro sistema de saúde público. Estranha e injustamente esquecido, o SMP (Serviço Médico à Periferia), pouca ou nenhuma atenção tem merecido por parte da comunicação social, parecendo projectar-se, à distância do tempo, como um pormenor sem relevância na construção do SNS e de um Portugal livre e democrático. Este "esquecimento" do SMP, por vezes involuntário mas também fruto de um ambiente político de "apagamento" carregado de intenção e ideologia, faz com que uma experiência marcante e imbuída do espírito generoso da tão mal-amada época do PREC apareça como um facto menor na implantação do serviço público de saúde português, que só viu a sua consagração legislativa quatro anos depois, por proposta de António Arnaut e aprovada por PS, PCP, MDP-CDE e UDP. Não esquecer nunca que a Direita votou contra a criação do SNS.  

A decisão de enviar jovens médicos, que tinham finalizado o primeiro ano de Internato Geral, para o interior mais pobre e abandonado do país, para a prestação de cuidados primários ultrapassou muito o projecto inicial, assumindo aspectos verdadeiramente notáveis de iniciativa e auto-regulação colectivas, tornando a sua realização, durante cerca de sete anos (até 1982), num caso exemplar de empenho na construção de um país mais justo e solidário, contrastando com o sentimento de desrespeito e desmotivação que mais tarde (e até aos dias de hoje) sucessivos governos conseguiram impor aos profissionais de saúde.

Portugal era, nos anos 70, um país de terceiro mundo. O fascismo levara o empobrecimento e a guerra colonial ao extremo, porque, já na altura repetiam ao povo que "não havia alternativa". Não existiam as comunicações, as estradas, os hospitais, os centros de saúde, os equipamentos desportivos e de lazer, os edifícios públicos modernos e funcionais que a democracia depois construiu. No país rural, no interior pobre e abandonado, pontificavam camponeses que trabalhavam para sobreviver, raramente ou nunca recorrendo aos escassos médicos existentes, pois poucos podiam pagar, procurando mais os "endireitas" e os "bruxos" (versão menos sofisticada das actuais "medicinas alternativas"). Foi assim que muitos milhares de portugueses tiveram pela primeira vez na vida contacto com médicos, na verdadeira acepção da palavra.

No final do primeiro ano de SMP os jovens médicos tiveram a necessidade de travar uma feroz batalha, porque o governo do pós-25 de Novembro, queria acabar com o SMP logo nesse ano de 1976. Foi a mobilização dos jovens clínicos, com o apoio de autoridades locais e das populações, expressas em manifestos e abaixo-assinados, entrevistas na rádio e nos jornais, que conseguiu travar esse primeiro ataque ao SNS antes mesmo de ele existir.

O SMP continuou nos seis anos seguintes, envolvendo centenas de médicos que asseguraram o seu funcionamento, mantendo a assistência médica possível ao interior mais carenciado, até à implantação de uma verdadeira e qualificada rede de cuidados primários de Saúde no país, com a criação da carreira de Clínica Geral em 1982 (actualmente designada de Medicina Geral e Familiar). 

Hoje é possível, apesar de estarmos longe do fim do surto, concluir de forma rigorosa que se não tivéssemos em Portugal um SNS universal, geral e de qualidade e a luta contra o vírus seria muito mais difícil de travar. É óbvio que os condicionalismos sentidos diariamente nas unidades do SNS, não são apenas devido à dimensão do surto e das suas consequências. São igualmente o resultado de cerca de 30 anos de desenvolvimento de uma estratégia de redução do serviço público de saúde, com o encerramento de milhares de camas, de redução do número de profissionais, da não renovação de equipamentos.

É grande a exigência colocada ao SNS. Por um lado, responder ao crescimento do número de vítimas de contágio e das necessidades de internamento, centenas das quais a exigirem cuidados intensivos. Em paralelo, há que assegurar a actividade normal de atendimento a milhares de utentes do SNS com outras patologias que não pode ser interrompido sob pena de se perderem vidas humanas por não terem tido o acesso aos cuidados de saúde que necessitam.

O êxito do combate à pandemia passa também por garantir condições de segurança aos profissionais de saúde. Persistem situações de falta de equipamentos adequados em algumas unidades de saúde que precisam de ser ultrapassadas. As aquisições no exterior, em grande medida devido à cooperação no  plano das relações bilaterais entre Portugal e a China, cooperação tão mais necessária quanto a postura da União Europeia evidencia mais uma vez, a sua inércia, e falta de solidariedade, como se verifica na retenção de equipamentos adquiridos entre países da própria UE, têm permitido superar no imediato parte da carência de material.

Mas a aquisição ao exterior, indispensável como se verifica, revela a crescente dependência nacional associada ao abandono da produção e da falta de incentivo à investigação. O facto de várias universidades e empresas terem decidido dar o seu contributo, criando e produzindo este tipo de equipamentos, confirmam de que é fundamental investir numa estratégia de substituição das importações pela produção nacional. No caso da Saúde, é mais do que uma questão económica, é sobretudo uma afirmação de soberania nacional num sector essencial à vida das pessoas.

Concluindo, agora que todos percebemos a importância do Serviço Nacional de Saúde e o facto de ser a última barreira entre a civilização e a barbárie importa continuarmos a reflectir sobre o assunto. Porque não basta apenas bater palmas nos momentos de maior aperto será pertinente respeitarmos e apoiarmos as justíssimas reivindicações dos profissionais de saúde por melhores salários e condições de trabalho. E, acima de tudo, é não apoiar nem votar em partidos "liberais e chegas" que visam a destruição do SNS!

Viva o 25 de Abril! Viva o Serviço Nacional de Saúde!

Salvaterra de Magos, 25 de Abril de 2020

Os eleitos da Coligação Democrática Unitária,

João Caniço
Carlos Silva

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