25 novembro 2021

CDU propõe que município se associe às comemorações do centenário de José Saramago

 MOÇÃO – CENTENÁRIO DE JOSÉ SARAMAGO

No passado dia 16 de novembro de 2021, assinalou-se o 99.º aniversário de José Saramago com a leitura em cem escolas básicas do país do seu conto «A Maior Flor do Mundo». José de Sousa Saramago, escritor que nasceu em Azinhaga (Golegã), de uma família de gente pobre, e que cedo foi para Lisboa. Que antes de ser editor, tradutor e jornalista, foi metalúrgico, desenhador e administrativo. 

Durante cerca de um ano, o Partido Comunista Português e a Fundação José Saramago vão assinalar o centenário de José Saramago, pretendendo contribuir para a divulgação e para o debate em torno da obra literária de um dos maiores escritores da língua portuguesa e um dos mais destacados intelectuais do Portugal de Abril, bem como contribuir para dar a conhecer o seu papel na luta contra o fascismo, em defesa de Abril e o militante comunista que foi até ao fim da sua vida.

Celebraremos o escritor de uma vasta e singular obra de valor universal, a sua inteligência criadora, esse inventor de um inovador ritmo oral na escrita, que não se limitou a narrar para os que liam, mas para participar activamente na narração, desenvolvendo a história a todos aqueles que a fazendo não a escrevem. Uma escrita e toda uma obra onde está presente o seu penetrante olhar sensível e arguto e profundamente humano sobre os “males do mundo”, que dificilmente se encontra noutros autores contemporâneos com a profundidade da análise de José Saramago.

Celebraremos o militante comunista que em nenhuma circunstância escondeu ou iludiu essa sua condição de membro do PCP. Condição que, com orgulho, patenteava. Vimo-lo a afirmar após o anúncio do Prémio Nobel: “Eu hoje com o prémio posso dizer que, para o ganhar, não precisei de deixar de ser comunista”.

Saramago aderiu ao PCP num tempo em que se aprofundava a crise geral do regime fascista. É já como militante comunista que nos anos sessenta desenvolve uma intensa actividade no quadro da Oposição Democrática e da CDE nos períodos das farsas “eleitorais” da ditadura, em 1969 e 1973.

Depois do 25 de Abril integra a organização dos escritores do Sector Intelectual de Lisboa e faz parte da Direcção do Sector de Artes e Letras e estará em importantes e diversificadas acções no movimento operário e popular no decorrer do processo revolucionário. É um tempo repleto de intervenções e acção do homem de letras e militante comunista na luta em defesa da Revolução e dos seus valores e conquistas, abrindo com a sua palavra e o seu conhecimento os novos horizontes da elevação cívica e cultural que Abril proporcionava e empenhado na defesa do projecto político do seu Partido.

A par da continuação de uma intensa actividade de criação literária, travou importantes combates políticos e eleitorais, integrou a lista da Coligação “Por Lisboa”, sendo eleito Presidente da Assembleia Municipal e, como candidato da CDU, participou em todas as eleições para o Parlamento Europeu, de 1987 a 2009. 

A sua obra está ligada ao mais fundo pulsar do que em nós é humano e complexo como tudo o que é inovador e raro, impregnada de profundo humanismo e que se reconhece nesse romance épico que é «Levantado do Chão», com as lutas, os sofrimentos, a fome, a coragem do povo do Alentejo perante a miséria, a exploração e a violência assassina dos latifundiários e do fascismo, que se ergueu a pulso desse chão de planícies e de sonhos, de sol e de lonjura, uma das mais belas conquistas de Abril – a Reforma Agrária.

A obra romanesca de Saramago, que podemos considerar dentro de um universo temático que reflecte a singularidade histórica e cultural dos povos e das gentes que habitam este rectângulo ibérico, inclui títulos tão diversos como «Memorial do Convento», «O Ano da Morte de Ricardo Reis», «A Jangada de Pedra» e «História do Cerco de Lisboa» e esse perturbador romance que é «A Caverna», no qual o seu pensamento progressista, a justiça e o social se expõem com clara evidência, sem esquecer um dos seus mais brilhantes títulos: «A Viagem do Elefante».

No «Memorial do Convento», Saramago coloca na ribalta ficcional protagonistas populares, Baltazar e Blimunda, que trazem para o centro do romance a “voz do povo”, os seus sentimentos e anseios, em que o Povo, apesar dos medos aos poderes régios e à Inquisição, consegue ter voz própria e afirmativa. Ou ainda descrevendo, de forma céptica, a usura e a abjecção que o ser humano transporta nas distopias «Ensaio Sobre a Cegueira» e «Ensaio Sobre a Lucidez».

Sabemos quão vasta é a obra de Saramago e do quanto fica por dizer.

Recordamos ainda que foi este homem, cujo centenário celebramos, aquando do banquete realizado em Estocolmo, comemorativo do Nobel da Literatura, não se coibiu de afirmar: “A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante. Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho permitem aquelas que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia”.

Saramago foi um escritor que veio do povo trabalhador, um homem comprometido com os explorados, injustiçados e humilhados da terra, que assumiu valores éticos e um ideal político que não abdicou até ao fim da sua vida. Podia ter sido só um escritor maior da literatura e da língua portuguesa. Foi muito mais do que isso. Foi um homem que acreditou nos homens, mesmo quando os questionava, que deu expressão concreta à afirmação de Bento de Jesus Caraça da “aquisição da cultura como um factor de conquista da liberdade”.

José Saramago sabia que a sua obra e a sua luta seriam sempre algo inacabado. Mas que valia a pena. E valeu. Por isso o celebramos e celebraremos.

Face ao exposto, a Assembleia Municipal de Salvaterra de Magos, reunida em sessão ordinária a 23 de novembro de 2021, recomenda que a Câmara Municipal de Salvaterra Magos:


  •  se associe às comemorações nacionais do centenário do nascimento do escritor José Saramago;
  • promova junto das escolas do concelho de Salvaterra de Magos iniciativas literárias de promoção da leitura e estudo da obra do Prémio Nobel da Literatura de 1998, José Saramago.

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