MOÇÃO – CENTENÁRIO DE JOSÉ SARAMAGO
No
passado dia 16 de novembro de 2021, assinalou-se o 99.º aniversário de José
Saramago com a leitura em cem escolas básicas do país do seu conto «A Maior
Flor do Mundo». José de Sousa Saramago, escritor que nasceu em Azinhaga
(Golegã), de uma família de gente pobre, e que cedo foi para Lisboa. Que antes
de ser editor, tradutor e jornalista, foi metalúrgico, desenhador e
administrativo.
Durante cerca de um ano, o Partido Comunista Português e a Fundação José Saramago vão assinalar o centenário de José Saramago, pretendendo contribuir para a divulgação e para o debate em torno da obra literária de um dos maiores escritores da língua portuguesa e um dos mais destacados intelectuais do Portugal de Abril, bem como contribuir para dar a conhecer o seu papel na luta contra o fascismo, em defesa de Abril e o militante comunista que foi até ao fim da sua vida.
Celebraremos
o escritor de uma vasta e singular obra de valor universal, a sua inteligência
criadora, esse inventor de um inovador ritmo oral na escrita, que não se
limitou a narrar para os que liam, mas para participar activamente na narração,
desenvolvendo a história a todos aqueles que a fazendo não a escrevem. Uma
escrita e toda uma obra onde está presente o seu penetrante olhar sensível e
arguto e profundamente humano sobre os “males do mundo”, que dificilmente se
encontra noutros autores contemporâneos com a profundidade da análise de José
Saramago.
Celebraremos
o militante comunista que em nenhuma circunstância escondeu ou iludiu essa sua
condição de membro do PCP. Condição que, com orgulho, patenteava. Vimo-lo a
afirmar após o anúncio do Prémio Nobel: “Eu hoje com o prémio posso dizer que,
para o ganhar, não precisei de deixar de ser comunista”.
Saramago
aderiu ao PCP num tempo em que se aprofundava a crise geral do regime fascista.
É já como militante comunista que nos anos sessenta desenvolve uma intensa
actividade no quadro da Oposição Democrática e da CDE nos períodos das farsas
“eleitorais” da ditadura, em 1969 e 1973.
Depois
do 25 de Abril integra a organização dos escritores do Sector Intelectual de
Lisboa e faz parte da Direcção do Sector de Artes e Letras e estará em
importantes e diversificadas acções no movimento operário e popular no decorrer
do processo revolucionário. É um tempo repleto de intervenções e acção do homem
de letras e militante comunista na luta em defesa da Revolução e dos seus
valores e conquistas, abrindo com a sua palavra e o seu conhecimento os novos
horizontes da elevação cívica e cultural que Abril proporcionava e empenhado na
defesa do projecto político do seu Partido.
A
par da continuação de uma intensa actividade de criação literária, travou
importantes combates políticos e eleitorais, integrou a lista da Coligação “Por
Lisboa”, sendo eleito Presidente da Assembleia Municipal e, como candidato da
CDU, participou em todas as eleições para o Parlamento Europeu, de 1987 a 2009.
A
sua obra está ligada ao mais fundo pulsar do que em nós é humano e complexo
como tudo o que é inovador e raro, impregnada de profundo humanismo e que se
reconhece nesse romance épico que é «Levantado do Chão», com as lutas, os
sofrimentos, a fome, a coragem do povo do Alentejo perante a miséria, a
exploração e a violência assassina dos latifundiários e do fascismo, que se
ergueu a pulso desse chão de planícies e de sonhos, de sol e de lonjura, uma
das mais belas conquistas de Abril – a Reforma Agrária.
A
obra romanesca de Saramago, que podemos considerar dentro de um universo
temático que reflecte a singularidade histórica e cultural dos povos e das
gentes que habitam este rectângulo ibérico, inclui títulos tão diversos como
«Memorial do Convento», «O Ano da Morte de Ricardo Reis», «A Jangada de Pedra»
e «História do Cerco de Lisboa» e esse perturbador romance que é «A Caverna»,
no qual o seu pensamento progressista, a justiça e o social se expõem com clara
evidência, sem esquecer um dos seus mais brilhantes títulos: «A Viagem do
Elefante».
No
«Memorial do Convento», Saramago coloca na ribalta ficcional protagonistas
populares, Baltazar e Blimunda, que trazem para o centro do romance a “voz do
povo”, os seus sentimentos e anseios, em que o Povo, apesar dos medos aos
poderes régios e à Inquisição, consegue ter voz própria e afirmativa. Ou ainda
descrevendo, de forma céptica, a usura e a abjecção que o ser humano transporta
nas distopias «Ensaio Sobre a Cegueira» e «Ensaio Sobre a Lucidez».
Sabemos
quão vasta é a obra de Saramago e do quanto fica por dizer.
Recordamos
ainda que foi este homem, cujo centenário celebramos, aquando do banquete
realizado em Estocolmo, comemorativo do Nobel da Literatura, não se coibiu de
afirmar: “A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um
planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte
de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao
nosso próprio semelhante. Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a
cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem.
Ou porque não lho permitem aquelas que efectivamente governam o mundo, as
empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não
democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia”.
Saramago
foi um escritor que veio do povo trabalhador, um homem comprometido com os
explorados, injustiçados e humilhados da terra, que assumiu valores éticos e um
ideal político que não abdicou até ao fim da sua vida. Podia ter sido só um
escritor maior da literatura e da língua portuguesa. Foi muito mais do que
isso. Foi um homem que acreditou nos homens, mesmo quando os questionava, que
deu expressão concreta à afirmação de Bento de Jesus Caraça da “aquisição da
cultura como um factor de conquista da liberdade”.
José Saramago sabia que a sua obra e a sua luta seriam sempre algo inacabado. Mas que valia a pena. E valeu. Por isso o celebramos e celebraremos.
Face ao exposto, a Assembleia Municipal de Salvaterra de Magos, reunida em sessão ordinária a 23 de novembro de 2021, recomenda que a Câmara Municipal de Salvaterra Magos:
- se associe às comemorações nacionais do centenário do nascimento do escritor José Saramago;
- promova junto das escolas do concelho de Salvaterra de Magos iniciativas literárias de promoção da leitura e estudo da obra do Prémio Nobel da Literatura de 1998, José Saramago.
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