Acreditámos num país novo e livre do
monstro fascista, sisudo e cinzento, que durante 48 anos, nos reprimiu,
explorou e humilhou, fazendo de Portugal um dos países mais pobres e atrasado
da Europa.
Foi neste dia que acreditámos em:
- um país com igualdade de oportunidades;
- com direito à habitação digna para todos;
- com direito ao trabalho e à livre associação política e sindical;
- com direito à protecção social;
- que sentar-se frente a um médico para se ser consultado deixava de ser privilégio de poucos, os abastados do regime;
- que a educação passava a ser um direito de todos, e que as capacidades e escolhas seriam o único factor a ditar o grau de escolaridade de cada um de nós;
- com direito de acesso à justiça, da igualdade perante a lei, independentemente da condição social e económica;
- e, finalmente, que iria terminar aquela guerra terrível e injusta, em nome de uma mais páginas mais negras da nossa história, o colonialismo, que vitimou mais de 8 mil jovens portugueses e ceifou a vida a muitos milhares de nativos que lutavam pelo legítimo direito à soberania e independência dos seus povos e territórios. Tudo para proteger as obscenas fortunas dos amigos de Salazar e Caetano.
Passados que estão 49 anos desse grande
“Dia da Liberdade” para os democratas e do “Dia do Acidente” para alguma
direita e para a extrema-direita, percebemos e acompanhamos a frustração que
sentem todos aqueles que já nasceram livres e em democracia, e com tantas
promessas por cumprir.
Quanto à igualdade de oportunidades,
temos um país sem rumo, minado pela corrupção, pelo compadrio, pela
promiscuidade, pela subordinação do poder político ao poder económico. Se
dúvidas existissem, vejamos o exemplo que, só nos últimos nove meses do governo
de maioria absoluta e obsoleta, aconteceram 12 demissões de governantes, que já
eram, na sua maioria, segundas e terceiras escolhas, envolvidos muitos deles em
escândalos de corrupção, de favorecimentos e de incompatibilidades, que em Portugal
se passaram pomposamente a chamar de “casos e casinhos”. Já para não falar
daqueles que aguardam o veredito da justiça e que continuam como lapas
agarrados ao tacho.
Um tecto digno para cada português,
promessa feita vezes sem conta durante mais de quatro décadas pelos sucessivos
governos PS-PSD-CDS e as únicas casas que têm crescido são as de cartão,
geralmente construídas nos jardins públicos, nos átrios dos prédios e nas
estações de metro. Só na cidade do Porto são mais de 700 os habitantes destas casas.
A primeira figura institucional do país, o Presidente da República, prometeu
acabar com este flagelo até final do mandato. Aguardemos bem sentados.
Veja-se o recente caso da trapalhada do
projeto de lei do PS denominado “Mais Habitação” que, apesar de não ter passado
de um mero conjunto de intenções, tinha um ou dois aspectos positivos.
Rapidamente a direita e a extrema-direita apelidaram essas medidas de
“comunistas”, quando até eram situações previstas e vigentes na nossa
legislação, aprovadas durante o governo de Passos Coelho. “Portugal vai ser a
nova Venezuela” grunhiam liberais e neofascistas. Coitados, não podiam ter
feito pior escolha, pois apesar dos duríssimos boicotes e sanções que são
impostos ao povo venezuelano pelo capitalismo norte-americano, o estado
socialista venezuelano implementou em Maio de 2011, por iniciativa do governo
de Hugo Chávez, o programa social “Grande Missão Habitação Venezuela” com o objectivo de enfrentar a abordagem
especulativa e capitalista do sector privado ao direito à habitação, e, dessa
forma, garantir a pessoas de baixos recursos uma casa digna e o acesso a
serviços básicos. No ano passado, em Abril de 2022, foi atingido o número 4
milhões de habitações construídas e entregues. O objectivo passa por chegar aos
5 milhões em 2025 e resolver definitivamente o problema das favelas juntos aos
grandes centros urbanos. São notícias e informações que não passam nos nossos
meios de comunicação social dominantes, vá-se lá perceber porquê.
Não somos ingénuos para achar que a direita
agiu na ignorância. É apenas má fé e por sabermos que em tudo aquilo que é
básico e que deva ser garantido como um direito inalienável ao ser humano,
Saúde, Educação, Habitação, Trabalho ou Paz, a Direita encara a questão como
uma oportunidade de negócio e obter o máximo de lucro. Não há nada mais claro e
transparente do que isto. E, temos pena, de que os 50 anos de história do PS
são, no essencial, 50 anos de traição às classes populares e trabalhadoras de
esquerda que nele votam. O PS conspurca
o conceito de “SOCIALISMO”! Qualquer documento programático do PS ao longo
da história contém retórica de esquerda, e, quando no governo, rapidamente se
esfuma e caminha a passos largos para a direita. Quem não se lembra em Outubro
de 2021 do “Orçamento Mais à Esquerda de Sempre”? Afinal, os motivos que PCP,
PEV e BE invocaram para votar contra o OE 2021 estavam todos correctos! A
adesão a Maastricht e ao Euro, a subordinação a Washington, Berlim e Bruxelas,
o abdicar da soberania nacional em nome de um feroz neoliberalismo federalista,
torna o PS num partido idêntico ao PSD no plano da política económica.
Ter saúde é o maior e principal desejo de
qualquer cidadão. No Portugal fascista só uma pequena percentagem de pessoas tinha
acesso à saúde, os privilegiados do regime, ao povo restava-lhe as mesinhas
caseiras ou a morte. Com 1 milhão e 600 mil portugueses sem médico de família,
com o ódio que a direita e a extrema-direita têm ao Serviço Nacional de Saúde,
com o desinvestimento e falta de financiamento crónico do mesmo, apesar de ter
aumentado e muito os gastos com a Saúde, só que esse dinheiro vai direitinho
para os bolsos dos mercantilistas da Saúde, ou seja, para a medicina privada,
que transformam utentes em clientes, através de PPP’s, acordos vários ou exames
prescritos pelo SNS. Cerca de 40 % do orçamento para a Saúde destinam-se aos
bolsos dos privados. Como está tudo interligado, depois não há dinheiro para
contratar médicos de família, nem para manter abertos em contínuo os serviços
de urgência de várias especialidades nos hospitais públicos.
Como temos um país com cerca de 2 milhões de
pobres e outros 2 milhões no limiar da pobreza, que só não o são graças aos
resquícios do Estado Social que ainda resiste, parte significativa da nossa
população não só não consegue aceder aos serviços médicos, como tem cada vez
maior dificuldade em adquirir os medicamentos prescritos. Se nada for feito
caminhamos a passos largos para o tempo vivido até há quase 50 anos.
Sim, pobres que não têm o suficiente para viver
com dignidade é efetivamente pobre, e não é pelo facto de a direita ter a
consciência pesada e como habitualmente socorrer-se da novilíngua liberal,
através do eufemismo “insuficiência económica”, na mesma linha do “colaborador”
em vez de trabalhador, da “resiliência” em vez de resistência, do “empreendedor”
em vez de patrão, ou da “não renovação” em vez de despedimento. Um povo que
vive de complementos, de vouchers, de remendos sociais, do assistencialismo, da
caridadezinha, não é um povo livre nem digno do Portugal de Abril. Sem esquecer
ainda que grande parte desses apoios sociais não chegam ao destino, tamanha é a
dificuldade burocrática. Ao invés, para dar milhões aos amigos, através de
fundos e subsídios comunitários, perdoar enormes dívidas bancárias, há sempre
facilidades.
A Justiça é a par da Saúde outro direito que
com o 25 de Abril acreditávamos que todos poderíamos ter acesso. Puro engano.
Cada vez mais a Justiça é coisa para ricos, onde os pobres são castigados
severamente ao mais pequeno delito e os ricos vivem de recursos e contra-recursos
até a coisa prescrever. Se um cidadão falhar o pagamento de qualquer taxa ou
imposto, o mesmo é agravado numa sucessão de coimas. Mas se for, por exemplo, o
senhor do Pingo Doce, aquele que ganha mais 263 vezes do que o seu trabalhador
médio, se recusar a pagar uma multa de 35,7 milhões de euros por cartelização e
fixação ilegal de preços, nada, rigorosamente nada lhe acontece. Aliás, até
acaba por aparecer, todo feliz sorridente, ao lado do primeiro-ministro,
enquanto este, qual fiscal da ASAE, verifica os preços e o “incrível” IVA 0 num
dos seus supermercados.
Chega a ser confrangedor o esforço que os
dirigentes do PS fazem para parecer distantes da direita e da extrema-direita,
mas é só a aparência, porque na Assembleia da República, nas questões essenciais
e de fundo, sempre que estão em causa votações que podem aliviar o sofrimento
do povo e dos trabalhadores, como por exemplo, no controlo e regulação dos
preços dos bens essenciais (medida que tem vindo continuamente a ser proposta
pelo PCP há mais de um ano!) ou a taxação dos
lucros extraordinários e da especulação, vemo-los invariavelmente a
chumbar essas propostas ao lado de liberais e neofascistas. Afinal, o mercado
livre e liberalizado tem de funcionar sempre!
A eliminação do IVA em 46 dos produtos mais
utilizados na nossa alimentação é mais uma trapalhada à PS cujo resultado final
vai ser uma mão cheia de nada. Mas ainda mais ridículo nesta matéria é a
posição do líder do PSD ao propor o controlo da espiral inflacionista através
da diminuição do IRS, medida que só iria beneficiar as classes mais altas, na
linha daquilo que Moedas fez em Lisboa, ao prescindir de 42 milhões de euros do
IRS, que foram, em mais de metade desse valor para os bolsos dos 10 % mais
ricos do município, enquanto que os 50 % mais pobres receberam apenas 3 %,
também porque parte significativa nada recebeu pois não tem rendimentos
suficientes sequer para pagar IRS. Pois é, a direita está sempre disponível em
baixar os impostos aos mais ricos e a penalizar os mais pobres. Quem não se
lembra da fantástica proposta do “tax flat” de 15 % para todos sugerida pela
IL.
Não menos confrangedor é o esforço que a
direita fez para sacudir a água do capote na trapalhada em que a TAP se
transformou, tentando fazer com que não nos lembrássemos que foi um governo de
direita, em gestão, derrotado nas urnas, que ofereceu ao sr. Niellman e amigos
uma empresa de bandeira e com prestígio, sem que para tal tivessem de investir
um único cêntimo. Para se irem embora o governo PS ainda lhes ofereceu 55
milhões de euros. Quando a Esquerda apoiou a nacionalização e defende a sua
manutenção como empresa pública, é para evitar a sua liquidação, pois bem
sabemos o que aconteceu no BPN, BES, BANIF ou BPP, onde quando houve lucros
estiveram na linha da frente, em bicos de pés, a reclamarem dividendos, mas
após a sua gestão ruinosa, acrescida da conjuntura internacional, a empresa
fica em dificuldades é vê-los a agitar o espantalho do desemprego, a porem-se
ao fresco, e o Estado que resolva. Com tudo isto, os devaneios e a
irresponsabilidade dos privados na banca e na TAP já custaram aos portugueses
mais de 10 mil milhões de euros.
O que a Esquerda não fez com o seu apoio à
decisão do governo PS, foi que este fizesse da TAP um depósito de adidos e um
campo de batalha para as suas guerrinhas político-partidárias, com o dinheiro
dos contribuintes a voar em chorudas indemnizações e outras
irresponsabilidades.
Fruto de políticas erradas de natalidade
levadas a cabo pelos sucessivos governos PS-PSD-CDS, estamos hoje a braços com
um gravo défice demográfico, que nos obriga a importar mão-de-obra, não
qualificada, para vários sectores. Um país que tem cerca de 2 milhões de
emigrantes espalhados pelo mundo, devia corar de vergonha pela forma como
recebemos e tratamos aqueles que escolhem Portugal para continuarem pobres a
trabalhar, muitas vezes fugindo de situações de guerra e miséria extrema. Ainda
recentemente, no monte Sabino, no Algarve, 134 seres humanos viviam num
barracão sem qualquer tipo de condições de higiene e salubridade a troco de
13400 € mensais por um espaço que nem para animais seria digno. A direita e a
extrema-direita apressaram-se a dizer que um contrato de trabalho seria a
solução milagrosa para o problema, como se um simples papel tornasse certos e
determinados patrões pessoas sérias, cumpridoras e humanas, e que combatessem
as máfias instaladas. Nada dizem sobre os lucros obscenos e a exploração da
miséria alheia que fazem parte do seu DNA.
Esquecem-se das centenas de milhares de
portugueses que, nas décadas de 60 e 70, fugiram do país, da guerra colonial,
da fome e da miséria, a salto, chegando aos países de acolhimento sem qualquer
visto, contrato de trabalho, passaporte ou outro “papel”. Só queriam dignidade
e trabalho justo remunerado.
Pelas razões que invocámos, queremos que fique
bem claro, que da mesma forma que o PCP sempre lutou e nunca se vergou à
tirania fascista, também hoje não vamos acreditar em fatalismos e retrocessos
históricos, pois com o povo e os trabalhadores vamos lutar para que o 25 de
Abril tenha valido a pena e o povo tem vindo a dar mostras nos últimos tempos
através de grandes jornadas de luta, de manifestações e graves, em inúmeros
sectores, de que está disponível e motivado para essa luta, por uma vida digna,
contra os ventos populistas, xenófobos e ultraliberais que sopram da Europa.
Celebramos a presença de Lula da Silva entre
nós para estas comemorações, representante da luta dos trabalhadores contra a
ditadura militar brasileira, da derrota da direita populista sul-americana e da
vitória da esquerda popular. Repudiamos a arrogância dos “porteiros do 25 de
Abril”, aqueles que odeiam a data, adoram sim o 25 de novembro, e tudo fazem
para o controlar, deturpar e denegrir. Primeiro era a corrupção, apesar de Lula
ter sido considerado inocente e ilibado de todas as acusações pelo sistema
judicial brasileiro, revogando a gritante parcialidade do juiz justiceiro
Sérgio Moro. Agora é ter a ousadia de falar da Paz em vez de guerra e mais armas,
suportando posições consistentes e factuais, bastante semelhantes, por exemplo,
às do papa Francisco e do PCP.
Por mais voltas democráticas que queiramos dar
às coisas, e por mais democráticos que todos queiram ser ou parecer, há uma
coisa que não pode nunca ser esquecida: o
25 de Abril de 1974 foi uma revolução de Esquerda!
O 25 de Abril foi para todos, mas não é
de todos. Não é de quem nunca o quis, de quem o ataca e se empenha para que
Abril não se cumpra. Celebramos o fim da noite fascista, de miséria, prisões,
analfabetismo, torturas, morte, colonialismo e guerra. Celebramos o SNS, a
Escola Pública, o direito ao Trabalho, à Habitação, à Paz, à Protecção Social,
ao Desporto, à Cultura, à Justiça.
Viva a Liberdade.
Viva o 25 de Abril.
Viva Portugal.
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